2008-01-02

na manhã seguinte ficamos com as mãos na cabeça

eu talvez quisesse sorrir.
a palma da tua mão estava aberta.
pousas-te a ausência do teu olhar no sofá encostado à lareira que não te chegou a aquecer.
senti cada instante das noites que nos aproximou.
talvez tivesse querido oferecer-te uma fotografia a preto e branco. tenho quase a certeza que falaria do caminho que falta para chegares a casa. seria uma fotografia nublada de sentimentos, uma espécie de feira de recordações de amanhã que passam em dor por nós. por ti. sacos de lágrimas enbrulhadas em panos aos xadrez, sapatos deixados ao acaso, restos de comida e vinho tinto espalhados pela mesa, cigarros de todos e não de ti, mala enfiada no ombro para saíres com urgência. mas vais ficando porque as portas estão fechadas. a fotografia da feira foi-se tornando num esqueleto de ocasiões carregadas daquele dia que te lembrava os dias anteriores.
às vezes ficavas sentado enquanto comias pesarosamente. comias nada com um garfo sem história da alumínio polido. seguravas uma navalha enferrujada com a mão esquerda. a corda estica até à noite anterior. e antes dessa noite os teus movimentos trôpegos pareciam levar-te a um sítio onde as chamas avançam por uma porta aberta encostada ao teu peito. os teus passos eram um ruído leve. havia uma camada fina de céu sobre o teu rosto.
começamos a chorar-te das sete horas até sempre. a lareira ficou em braseira.
não é muito tempo e a distância para chegares a casa é a de um sopro de luz que vais dobrar e guardar numa gaveta num sítio seguro. porque precisas desse som liso do abrir da gaveta usada. gasta. solta. esgotada. imaginada. vivida. aproximada. distante. ternamente morta.

1 comentário:

Venus as a boy disse...

Um beijo doce para vocês. Obrigado por todo o carinho e calor.