2008-05-20

a vida é filha da puta. ponto

Não preparei o meu coração para o próximo tremor de terra.
Não consigo ler nem escrever nem concentrar-me nem olhar-te.
Desgastei a alcatifa em gestos repetidos frenéticos porque perdi o teu olhar algures atrás de mim.
Encostei-me ao umbral da sombra do que resta dos sonhos e enquanto não te movimentares a náusea que se enterra no peito vai-nos sufocar.
O teu silêncio trespassa-me os ossos.
Embriagar-me-ei em direcção ao mar para que a desolação do presente deixe de arder cega quando rebentar a luz.
Encontrar-nos-emos esta noite no mesmo pesadelo que teima em vender imagens gastas de afectos e ódios. De areia e cinza. De tempo inútil intacto guardado na boca que não diz. Intensamente.
Passamos a vida numa espécie de mutismo quando nos sentimos morrer.
A vida é filha da puta. ponto.

2008-05-06

história de desencantar

Tinha tanto universo para aprender. Mas o terror daquela imagem aparecia a horas imprevistas. Dizia coisas surpreendentes. Uma coisa sobre o prato principal que vomitas-te com a mesma naturalidade com que os outros falavam de coisas triviais. Como se o mundo de repente fosse absolutamente alheio. Outra coisa sobre aquele ser que não é bem deste mundo talvez porque me apetecia enfiar pelo chão abaixo quando a existência caiu distraída na sopa. A minha relação com a vida quotidiana é desabitada. Não há transparência da palavra se não há preocupação cosntante de celebração de palavras essenciais. Aceito com ingenuidade a negligência com que abdico da exigência de essencialidade. Porque o jantar não é essencial. E no entanto aquilo que distingue o bem do mal é a alienação que te leva a pensar a existência do bem e do mal. Não tem muito substantivo. A secura das palavras tornou-se desnecessária na ligação às coisas. Tenho absoluta confiança na palavra obscuro. O meu encontro com as vozes marca a distância do ponto de partida. A forma de tratamento dos temas escreve histórias destinadas aos outros. Não a mim. Talvez amanhã comece a inventar histórias para crianças que não comecem por era uma vez uma menina que era filha de ciganos. Não suportarei a pieguice do convite para me deitar na mesma cama. Procuro a memória daquilo que não me fascinou na infância para não esquecer lugares. Acontecimentos. Pessoas. Convido-me a mergulhar num maravilhoso mundo de fantasia. Convido-me a mergulhar num maravilhoso mundo de beleza que não acabe em histórias de amor e generosidade que acabam assim essa não mãe essa não. Uma salva de palmas.