2009-03-27

liberdade pra dentro da cabeça

enfiei a mão no buraco de uma das pedras grandes onde costumava balouçar a inocência. procurava um grão de areia que se tinha abandonado para fazer brilho no pontão onde os pés intermináveis das pessoas se alongavam com destino ao mar. numa nesga aberta entre dois suspiros de musgo esverdeados pedi para virem até aqui levantar a pedra grande que estava a calcar a minha sombra. jurei a pés juntos com o rosto do avesso que vi o céu do mundo naqueles instantes de dor serena. telhados de abismo coleccionados de tão antigos que são insuflaram a criança que sou debaixo da chuva miudinha. e os medos vão sendo moldados com colagens infantis coloridas e dedos cheios de cola que juntam peças às vezes perdidas às vezes esquecidas. dizia-me por favor as horas. é sempre em frente respondi com peito generoso de quem quer aceitar o rastilho da periferia para tratar de assuntos do coração. pode ir devagar pode parar pode o mar chegar e iluminar a pique o amor. acolhi o resto do verão aquela força presa de sombra enrolada em ligaduras como o primeiro feito da batalha que me trocou as vontades. tentei desculpar-me e era justo que não me reconhecessem a patente pelo sucedido. perdemos a graça inicial de sorrir de excitação pela vida. interrompia-me de meia em meia hora para mergulhar em mim para me lembrar de meia em meia hora que assim não era bom mas também não era mau. era só assim. e de noite enquanto os outros esgotavam argumentos para não verter uma lágrima porque mancha os lençóis do leito que nos lembra a todos que estamos vivos e mortos ao mesmo tempo eu escrevia compulsivamente movimentos ritmados de amor e prazer que duraram para sempre e me salvaram as vidas muitas vezes disseram-me. ando outra vez às turras com uma insónia. Depois de uma emboscada clandestina do demónio interior que disparou três balas para não me acertar em nenhum órgão vital apareceu a transpirar um observador oculto imaginado e real esboçando um ar de troça evidente pelo fracasso emproado da suposta alcunha de vencedor. veio a correr por isso as gotas largas de suor que agradeci. no meio dos silvos cavernosos não se é capaz de distinguir uma flor que teima em nascer. é preciso recuar. liberdade pra dentro da cabeça. gosto desta música.

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