2009-04-02

entre o meio-dia e as três da tarde

acariciamo-nos com mãos e dedos de palavras sem antever a ausência que os olhares tornados de histórias possíveis abraçavam. estava tão nervosa como se fosse um exame de liceu que ditava a genialidade do que não é . estivemos meses a ressonar palavras entre copos vazios de comentários úteis na altura que nos faziam sentido. trinta e cinco anos de idade não nos bastaram para passar à frente da falsa luxúria com que às vezes nos servem o perdão em bandeja de prata. sem preâmbulos fomos os anfitriões da mais histórica das nossas histórias. soube que foste embora sem estremecer a alma. daquele instante para a frente seria diferente do que já conhecíamos. ainda faltou ouvir velhos êxitos dos anos oitenta. estivemos meses a sonhar projectos sem critérios. valiam apenas as viagens subterrâneas que a ousadia do vento agarrado no peito em rajadas nos permitiam acontecer. estivemos tempos infinitos a falar e no fim agradeces-te por ser tão boa companheira sem aperceber que não era uma virtude mas um desaire no caminho alternativo à contorção natural da minha bondade. arranjas-te emprego na baixa e foste morar para lá. tudo porque quer ter filhos e o relógio biológico não engana. é sempre assim com as mulheres depois dos trinta vaticinou uma das tuas novas mas velha vizinhas que me soluçou ter parco pé-de-meia para alimentar o espírito depois do velório do corpo. desacreditei das investidas daquela mulher muda às suas próprias confissões e à beira das complicações inerentes do rastilho fatal daquele acaso que me levou lá os olhos da mulher que é tua nova mas velha vizinha descobriram a única verdade que não pronunciou com a boca. confirmou a gemer ecos de verdades clandestinas e nessa hora esquecida fitou-me com os olhos lassos de tanta compaixão que só é possível em almas conhecedoras e disse com as mãos finas anda hoje almoças comigo. e nessa hora esquecida apercebi-me que tudo o que é importante acontece entre o meio-dia e meia e as três da tarde. e nessa hora esquecida entre o meio-dia e meia e as três da tarde percebi que o desígnio dos céus era escrever esta exacta despedida. depois fomo-nos embora e nunca mais ressonamos palavras. dormino-nos apenas em insónia.

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